domingo, 31 de maio de 2015

Oráculo Manual e Arte da Prudência

CCXXIX


Saber dividir a vida com discrição: não como as ocasiões se apresentam, mas por providência e escolha. A vida é pensada quando sem descansos, como longa jornada sem pousada; o que a faz ditosa é a variedade erudita. Gasta-se a primeira estância do belo viver falando com mortos; nascemos para saber e saber-nos, e os livros com fidelidade nos fazem gente. A segunda jornada é empregada com os vivos: ver e registrar tudo o que é bom no mundo. Nem todas as coisas se acham numa mesma terra; o Pai universal repartiu as dádivas, e às vezes enriqueceu mais a feia. A terceira jornada cada um a dedique a si mesmo: última felicidade, o filosofar.

Cadernos


Escrevo uma coisa, e penso em outra. Eu sou Deus no homem. Eu sou o que Cristo sentia. Eu sou o Buda. Eu sou um Deus búdico, e todas as espécies de Deus. Conheço todo mundo. Eu sei de tudo. Finjo estar louco para atingir meus fins. Sei que, se todo mundo pensar que eu sou um louco inofensivo, ninguém terá medo de mim. Não gosto de pessoas que acham que sou um louco que pode fazer mal às pessoas. Sou um louco que ama as pessoas. Minha loucura é o amor à humanidade. (...) Logo irei a Paris, e lá encontrarei um homem pobre com quem farei um acordo. Ele desenhará minha invenção, e eu lhe pagarei. Ele será meu engenheiro. Eu construirei uma ponte, e ele a desenhará. Construirei uma ponte entre a Europa e a América, a qual não custará caro. Já conheço o sistema dessa ponte, pois Deus fala comigo. Conheço o meio de construí-la, por isso quando chegar a Paris, cuidarei da realização dessa ponte. A ponte será uma coisa magnífica. Conheço coisas magníficas. Darei essas coisas, se as pessoas me pedirem. Não sou rico, e não quero riqueza. Quero o amor, por isso quero jogar fora todas a imundície do dinheiro. Os piolhos do dinheiro se dispersarão sem morrer. Eu lhes darei a vida. Eles não morrerão de fome. Eu sou a fome. Eu sou aquele que não morre de fome, pois sei o que é preciso para não morrer de fome. Sei que é preciso comer pouco, então o corpo da gente se habitua ao alimento que lhe dá a vida. O homem será diferente, e seus hábitos serão diferentes. Ele está corrompido, por isso não pode compreender as coisas simples.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Doce Sono!

… Não é como um barco mágico que, encoberto e insignificante, ocupa o seu canto durante o dia, e nos leva flutuando toda noite para o mar do inconsciente e do infinito?


O mar! O infinito! Meu amor pelo mar, cuja gigantesca simplicidade sempre preferi à sofisticada pluralidade das montanhas, é tão antigo quanto o meu amor ao sono, e sei muito bem qual a raiz que essas duas simpatias têm em comum. Trago dentro de mim muito da sabedoria dos hindus, um desejo pesado e indolente por aquela forma ou não forma da perfeição chamada “nirvana” ou o “nada”, e, embora seja artista, cultivo uma inclinação muito pouco artística à eternidade, que se exterioriza em uma repulsa contra a estrutura e a medida. O argumento contrário, acredita-me, é a correção e a decência, e, para utilizar a palavra mais séria, a moral… O que é a moral? O que é a moral do artista?