domingo, 29 de março de 2015

Genalogia da Moral


8. Se este livro resultar incompreensível para alguém, ou dissonante aos seus ouvidos, a culpa, quero crer, não será necessariamente minha. Ele é bastante claro, supondo-se - e eu suponho - que se tenha lido minhas obras anteriores, com alguma aplicação na leitura: elas realmente não são fáceis. No que toca ao meu Zaratustra, por exemplo, não se pode gabar de conhecê-lo quem já não tenha sido profundamente ferido e profundamente encantado por cada palavra sua: só então poderá fruir o privilégio de participar, reverentemente, do elemento alciônico do qual se originou aquela obra, da sua luminosa claridade, distância, amplidão e certeza. Em outros casos, a forma aforística traz dificuldade: isto porque atualmente não lhe é dada suficiente importância. Bem cunhado e moldado, um aforismo não foi ainda “decifrado”, ao ser apenas lido: deve ter início, então, a sua interpretação, para a qual se requer uma arte da interpretação. Na terceira dissertação deste livro, ofereço um exemplo do que aqui denomino “interpretação”: a dissertação é precedida por um aforismo, do qual ela constitui o comentário. É certo que, a praticar desse modo a leitura como arte, faz-se preciso algo que exatamente em nossos dias está bem esquecido - e que exigirá tempo, até que minhas obras sejam “legíveis” -, para o qual é imprescindível ser quase uma vaca, e não um “homem moderno”: o ruminar