sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Das Vantagens de Ser Bobo

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." 

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia. 

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. 

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu. 

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?" 

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama! 

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz. 

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem. 

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas! 


Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

97 Dias


Quando a violência é um fato, a resistência é um dever.


Em 24 de Outubro, como todos souberam, foi suspensa a greve na Faetec. Eu, que participei do movimento grevista desde o primeiro instante, e que me fiz presente em grande parte das atividades, não posso deixar de lamentar o que ocorreu…

Lamento que, dessa vez, não posso ser responsabilizado pela suspensão da greve. Retiraram, não apenas de mim, mas de todos os meus amigos, o direito de decidir sobre os rumos de um movimento que nós construímos de maneira tão bonita. Fomos traídos por aqueles que deveriam nos acompanhar na luta. Fomos traídos por alguns dos diretores de nosso próprio sindicato…

Qual foi o motivo que nos fez entrar em greve? O Plano de Cargos e Salários dos servidores da Faetec. Qual foi o argumento apresentado pela ala majoritária do sindicato para nós sairmos da greve? A promessa de que o governo negociará conosco. O mesmo governo que, como vocês puderam acompanhar, colocou a polícia militar e seu batalhão de choque para nos agredir nas ruas.

Qual é a importância desse Plano para a Faetec, vocês poderiam perguntar. É de uma importância inestimável, eu responderia. Uma vez que nossas condições materiais de trabalho são precárias – salas de aula desestimulantes e laboratórios obsoletos são apenas alguns dos exemplos –, dependemos sobremaneira dos profissionais que se dedicam à instituição. Se estes profissionais a abandonarem, o que nos resta? Ou melhor: o que sobra para vocês? Ainda esse ano, como vocês já souberam, a Faetec perderá diversos professores para as escolas federais… No entanto, ainda mais grave do que essas perdas, é aquele abandono psíquico, o olhar traumatizado de quem esteve nas linhas de frente de uma luta intensa e ainda carrega a decepção de ter sido traído por seus “companheiros”…

Nesses momentos, não consigo abrir mão das minhas referências! Durante a Segunda Guerra Mundial, Thomas Mann dizia que “[tinha] a convicção inquebrantável de que Hitler não [podia] vencer a sua guerra – uma crença baseada muito mais em razões metafísicas e morais que em razões militares”. Sinto-me autorizado a parafraseá-lo e afirmar que eu tenho a sólida convicção de que essas pessoas, que abriram mão de sua dignidade ao se prostrar de modo reverente a um dos piores governos da história desse estado, essas pessoas não vencerão essa guerra. Eles não vencerão a guerra que ainda travamos por uma educação pública de qualidade, não vencerão todas as batalhas que ainda se nos apresentam! E não por razões políticas, mas por razões morais… Afinal, eu sinceramente acredito que podemos resgatar o cenário descrito por Mario Vargas Llosa em um de seus livros: “é verdade que, em muitos lugares, a política é ou se tornou de fato suja e vil. “Sempre foi”, dizem os pessimistas e cínicos. Não, não é verdade que sempre foi nem que seja agora em todos os lugares e da mesma maneira. Em muitos países e em muitas épocas, a atividade cívica alcançou prestígio merecido porque atraía gente valorosa e porque seus aspectos negativos não pareciam prevalecer sobre o idealismo, a honradez e a responsabilidade da maioria da classe política”.

Já pude conversar com vocês sobre a importância das palavras de Vargas Llosa. Espero poder conversar muitas vezes mais sobre essas e tantas outras palavras que diariamente me inspiram na prática docente… Porém, diante de tudo o que aconteceu comigo durante essa greve, e do mês de Novembro que se anuncia para todos nós, faço questão de lembrar a máxima com a qual Goethe, meu poeta favorito, encerra sua autobiografia – uma máxima que nos abre para o futuro ao confrontar uma das mais famosas questões filosóficas: Para onde vamos… quem o sabe? Mal nos lembramos de onde viemos...