terça-feira, 23 de novembro de 2010

Máximas e Reflexões

Um nobre filósofo falou da arquitetura como uma música cristalizada e viu algumas cabeças sendo balançadas em sinal de desaprovação. Acreditamos que não é possível reintroduzir melhor este belo pensamento do que se designássemos à arquitetura a música emudecida.

Lembremo-nos de Orfeu, que, quando lhe indicaram um grande e ermo canteiro de obras, sentou-se prudentemente no lugar mais apropriado e formou em torno de si um vasto mercado com os tons vivificantes de sua lira. As rochas rapidamente tomadas por tons fortemente dominantes e amistosamente sedutores, arrebatadas pelo seu todo massivo, precisaram se configurar de maneira artística e artesanal, à medida que se movimentavam entusiasticamente para lá. Por fim, elas se reordenaram adequadamente em camadas e escarpas rítmicas. E é assim que uma rua tem de se juntar à outra! Tampouco faltarão muros protetores.

Os tons ecoam, mas a harmonia permanece. Os cidadãos de uma tal cidade passeiam e tecem entre melodias eternas; o espírito não pode afundar, a atividade não pode adormecer, o olhar assume a função, a tarefa e o dever do ouvido, e os cidadãos nos dias mais comuns se sentem em uma condição ideal: sem reflexão, sem perguntar pela origem, eles se tornam partícipes do mais elevado gozo ético e religioso. Se as pessoas se acostumarem a entrar e sair da basílica de São Pedro, elas vão se deparar com um sentimento análogo ao que ousamos exprimir.

Em contrapartida, o cidadão em uma cidade pessimamente construída, onde o acaso varreu com uma triste vassoura todas as casas umas para junto das outras, vive inconscientemente no deserto de um estado pessoal sombrio. Não obstante, o estrangeiro que entra na cidade se sente bem, como se ouvisse gaita, flautim e rufar de tambores e precisasse se preparar para assistir às danças de ursos e saltos de macacos.

(Goethe, Máximas e Reflexões, Forense Universitária, 2003, p. 119-120)

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