terça-feira, 2 de novembro de 2010

Fausto: uma tragédia - primeira parte

Dedicatória


Tornais, vós, trêmulas visões, que outrora
Surgiram já à lânguida retina.
Tenta reter-vos minha musa agora?
Inda minha alma a essa ilusão se inclina?
À roda afluis! reinai, então, nessa hora
Em que assomais do fumo e da neblina;
Torna a fremir meu peito com o bafejo
Que vos envolve em mágica o cortejo.


Trazei imagens de horas juvenis,
Sombras queridas vagam no recinto;
Amores, amizades, ressurgis
Do olvido como um conto meio extinto;
Renasce a dor, que em seus lamentos diz
Da vida o estranho, errante labirinto.
Evoca os bons que a sorte tem frustrado,
E antes de mim, à luz arrebatado.


Meus novos cantos já não ouvirão
Os que me ouviram os primeiros versos;
Desfeito, ah! se acha o grupo amigo, irmão,
Ecos de outrora estão no nada imersos.
Meu canto soa à ignota multidão,
Seu próprio aplauso ecoa em sons adversos,
E o mais, que a minha lira amara, erra,
Se vivo for, esparso sobre a terra.


E de um remoto anelo o grave encanto
Àquele reino de visões me acena;
Vibra, ora, em indecisos tons meu canto,
Qual da harpa eólia a murmurante pena;
Sinto um tremor, segue-se o pranto ao pranto,
A rígida alma abranda-se e serena;
O que possuo vejo ao longe, estranho,
E real me surge o que se foi antanho.


(Goethe, Fausto: uma tragédia – primeira parte, Editora 34, 2004, p. 29)

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