segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Cartas a Lucílio

Procede deste modo, caro Lucílio: reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos. Convence-te de que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem darmos por isso, outra deixamo-la escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente.

Podes indicar-me alguém que dê o justo valor ao tempo, aproveite bem o seu dia e pense que diariamente morre um pouco? É um erro imaginar que a morte está à nossa frente: grande parte dela já pertence ao passado, toda a nossa vida pretérita já é do domínio da morte!

Procede, portanto, caro Lucílio, conforme dizes: preenche todas as tuas horas! Se tomares nas mãos o dia de hoje conseguirás depender menos do dia de amanhã. De adiamento em adiamento, a vida vai-se passando.

Nada nos pertence, Lucílio, só o tempo é mesmo nosso. A natureza concedeu-nos a posse desta coisa transitória e evanescente da qual quem quer que seja nos pode expulsar. É tão grande a insensatez dos homens que aceitam prestar contas de tudo quanto – mau grado o seu valor mínimo, ou nulo, e pelo menos certamente recuperável – lhes é emprestado, mas ninguém se julga na obrigação de justificar o temo que recebeu, apesar de este ser o único bem que, por maior que seja a nossa gratidão, nunca podemos restituir.

Talvez te apeteça perguntar como procedo eu, que te dou todos estes preceitos. Dir-te-ei com franqueza: como alguém que vive bem, mas sem esbanjamento. Tenho as minhas contas em dia! Não te posso dizer que nunca perco tempo, mas sei dizer-te quanto, porquê e de que modo o perco. Posso prestar contas de minha pobreza. A mim, porém, sucede-me o mesmo que a muitos que, sem culpa própria, ficaram reduzidos à miséria: todos perdoam, mas ninguém ajuda.

Que mais há a dizer? Não considero pobre aquele a quem basta o poucochinho que tem. Prefiro, contudo, que tu preserve os teus bens e que o comeces a fazer quanto antes. Conforme diziam os nossos maiores, “já vem tarde a poupança quando o vinho está no fundo”. É que o que fica no fundo, além de ser muito pouco, são apenas as borras!

Adeus

(Sêneca, Cartas a Lucílio, Livro I – castas 1-12, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 1-2)

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